Aceito o mistério e recolho alguns de seus textos :
Sinais dos Tempos
Ando a desenvolver um fetiche por mulheres vestidas.
Há quem goste do verão pelos umbigos, pelos decotes, enfim, pela panóplia de mimos que o calor propicia. Pessoalmente gosto de ombros, de ombros dourados que o sol povoou laboriosamente com sardas. No entanto, gosto igualmente desses mesmos ombros longe da vista, enterrados no pino do inverno, puros. Gosto sobretudo da sedução que sobrevive às estações, que se adapta, que se apropria langorosamente das mutações sazonais. A revelação em si não me diz grande coisa: a perdição vem com o acto criativo.
Cegueira
Mais trágico do que as mulheres não verem em nós o que nós vemos, só mesmo não verem nelas o que nós vemos.
O resultado prático de estarmos permanentemente ligados uns aos outros, mas cada vez menos juntos, é que a única coisa que nos acontece em grupo é ouvir histórias sobre o que nos aconteceu individualmente. A ilusão da distância faz com que tenhamos de sobreviver sozinhos às nossas próprias ideias.
Assassinei dois coelhos, a caminho de Mértola. Aliás, um deles limitou-se a usar o meu carro para se suicidar, só o segundo é que foi assassinado. Passei-lhe por cima com o pneu enquanto ele estava momentaneamente cego pela luz dos meus faróis. Já levemente traumatizado, evitei por um triz abreviar a vida a um terceiro que ziguezagueou pelo alcatrão a alguns centímetros do meu pára-choques. É esta a selvajaria que nos espera quando evitamos as auto-estradas: perfeitamente inadaptados no meio da natureza somos forçados à crueldade para chegar a casa. Andamos demasiado rápido, protegidos por uma carcaça demasiado severa para não deixar cadáveres para trás.
Há quem viaje para países longínquos com a ideia de conhecer culturas diferentes. Mesmo que, depois do regresso a casa, as tais culturas não passem de episódios anedóticos para alimentar jantares, muitas vezes são o suficiente para satisfazer os nossos anseios mais profundos de desenraizamento. No meu caso, começo a pensar que perco dias a atravessar o globo para me assegurar que a cultura me deixa em paz durante umas semanas, que o mundo permanece mudo, manietado por línguas ininteligíveis, sabores inéditos e paisagens assombrosas. Tudo bem longe de casa, para conseguir manter a experiência do quotidiano sob controle.
Elevação moral é, face ao belo, não fazer nada. Muito menos investigá-lo. Muito menos investigá-lo por amadorismo.
6 comentários:
Peri,
Em tempos de Páscoa o texto Desproporção é antológico, digno de ser lido e relido. A lógica lusitana reforça o efeito sobremaneira.
Abração
peri's, o silva é demais! inteligente assim, deveria ser canonizado pelo bento. um santo rarísssimo.
quanto ao time da marginal sem número, não se bate em cachorro morto, ô cara!
hahahaha
I coração Silva.
que pena que o pobrezinho morreu.
Lord, os coelinhos assassinados foram só coincidência.
O link do blog,dê uma olhada: http://classemedia.blogspot.com/
Anna, acho que seria é excomungado pelo Bentinho, ora pois.
Quanto a chutar cachorro morto, o meu não está tão mais vivo que o seu.
Franka , sabe lá, pode estar vivinho da Silva, O Silva.
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